quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Encontrando o mamífero que sobreviveu aos dinossauros

Jeremy Hance, mongabay.com
Traduzido por Vitor Visconti 


Solenodonte-do-Haiti 
Fêmea do solenodonte-do-haiti capturada por Nicolas Corona na República Dominicana. Está esperando que instalem um rádio-colar nela. Foto de Tiffany Roufs.
foto : mongabay.com

Fêmea do solenodonte-do-haiti capturada por Nicolas Corona na República Dominicana. Está esperando que instalem um rádio-colar nela. Foto de Tiffany Roufs. 

Então, aqui estou eu, correndo à noite numa floresta a mais de 3.200 quilômetros de casa. Essa floresta – seca, robusta e espinhenta o suficiente para arrancar sangue – fica apenas a poucos quilômetros ao norte de uma cidade rural do extremo oeste da República Dominicana, na fronteira com o Haiti. Eu estou seguindo – ou tentando acompanhar – um caçador local e guia enquanto procuramos por um dos mamíferos mais bizarros do mundo. Poucas pessoas ouviram falar, muito menos viram esse animal; até mesmo a maioria dos Dominicanos não o reconhece imediatamente por seu nome ou fotografia. Mas estou obcecado por ele há mais de seis anos: é denominada solenodonte, mais especificamente, solenodonte-do-haiti, ou Solenodon paradoxus, seu (bastante apropriado) nome científico. 

Ao longo floresta há uma trilha amarelada, cheia de vegetação, mas não a usamos. Em vez disso, meu guia – a versão dominicana do Indiana Jones – rapidamente adentra na floresta movendo-se como um fantasma através dos galhos, vinhas, espinhos, para cima e para baixo de escarpas, dentro e fora de ravinas secas. Não me movimento como esse homem - Nicolas Corona - bato, tropeço, me arranho e caio durante o trajeto na floresta. Nos lugares em que Nicolas pula de um barranco a outro, ou simplesmente se agita de uma ponta a outra de uma árvore caída, eu caio dos barrancos e tenho que rastejar para seguir adiante. Nos lugares em que abre caminho através das moitas de amoras, me enrosco. Uma vez estava tão enroscado, que a cada passo que dava para frente, descobria outra videira que não cedia: em volta da minha perna, do meu peito. Sou um palhaço ao lado de um tipo de divindade do Olimpo. 

Solenodonte livre usando o rádio-colar. Foto de Tiffany Roufs.
Solenodonte livre usando o rádio-colar.
Foto de Tiffany Roufs. 

Apesar dos perigos, a floresta seca que estamos percorrendo é inesperadamente encantadora. Uma planta verde, não é grama, mas parece um trevo, conhecida como Bacoppa monnieri, cobre o chão nessa época do ano. Pequenas árvores que balançam se curvam à nossa volta. Grandes pedras se projetam para fora do solo, e às vezes um amontoado cria uma pequena montanha. Há caracóis com cascos belamente coloridos e parecidos com conchas pendurados nas árvores. Toda hora ouvimos um zumbido quando um pássaro, em algum lugar perto de nós, levanta voo assustado com o som de dois homens passando por seu lar. A floresta é quase como a de um hobbit, como se fosse feita para coisas pequenas. Alguém poderia imaginar antigas fadas e elfos, criaturas maliciosas vivendo aqui, e é por isso que ela parece um lugar tão próprio para o estranho e enigmático solenodonte com feições de muppet. 

Em grego, solenodonte significa “dente estriado”. Recebeu esse nome porque tem sulcos em seus dentes por onde injeta veneno, quase como uma cobra: é o único mamífero do mundo que pode fazê-lo. Mas isso não é de longe o fato mais incrível sobre uma criatura que muitas pessoas consideram um grande rato. Não, é isso: o solenodonte se divergiu de todos os outros mamíferos há 76 milhões de anos. Isso significa que enquanto dinossauros como o Tiranossauro Rex e o Tricerátops vagavam pela América do Norte, o solenodonte já tinha criado seu próprio nicho evolutivo, e então sobreviveu ao cataclismo, à invasão, à destruição, e hoje continua rondando pelas florestas da ilha caribenha Hispaniola (aonde estou) e Cuba, relativamente inalterado. Não é nem mesmo um roedor, em vez disso, pertence a uma ordem dos mamíferos (Soricomorpha) que incluí mussaranhos e toupeiras, mas continua diferente o suficiente para ter sua própria família: solenodontetiae. 

Falando em termos de evolução, o solenodonte é um dos mais velhos mamíferos da Terra; sua forma atual não é muito diferente daquela que o T- Rex teria alegremente ignorado há 76 milhões de anos. Ainda assim, enquanto o T- Rex desaparecia, de alguma forma esse pequeno e venenoso mamífero de focinho comprido conseguiu sobreviver ao asteróide que aniquilou os dinossauros, ao deslocamento do continente americano e das ilhas caribenhas, à chegada do primeiro povo, conhecido como Taino, à invasão de Colombo, e à subsequente transformação da ilha. Não é de se surpreender que esse animal foi apelidado de “o último sobrevivente”. 

Além de seu veneno, o solenodonte também exibe na ponta de seu focinho uma espécie rótula (apelidada de “os proboscis”) que é totalmente única no reino animal. Esse osso o permite mover seu longo e fino focinho habilmente enquanto toca o chão, quando busca insetos, aracnídeos e larvas. O interessante é que esse osso não é encontrado no solenodonte cubano, apenas no haitiano. Também já cogitaram que os solenodontes usam os seus estranhos sons de assobio e estalidos como uma ecolocalização para capturar suas presas no escuro. 

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